(...) Há mais de dezessete anos, vivi silenciosamente, por cerca de dois meses, um intenso inverno emocional, a dor indescritível da depressão. A tentativa desesperadora de superar esse intenso inverno emocional me estimulou a me interiorizar.
O humor deprimido, a ansiedade, a perda de energia biopsíquica, a insônia, a perda do sentido existencial, os pensamentos de conteúdo negativo, os pensamentos antecipatórios, associados a outros sintomas tornaram-se o cenário da minha depressão. Não vou entrar em detalhes sobre este período existencial nem sobre as causas da minha depressão, pois não é esse o objetivo deste livro. Porém, quero dizer que minha crise depressiva se tornou uma das mais belas e importantes ferramentas para me interiorizar e me estimular a procurar as origens dos meus pensamentos de conteúdo negativo e as origens da transformação da minha energia emocional depressiva.
Em síntese, a dor da depressão, que considero o último estágio da dor humana, me conduziu a ser um pensador da Psicologia e da Filosofia. Ela me levou não apenas a repensar minha trajetória existencial e expandir a minha maneira de ver a vida e reagir ao mundo, mas também me estimulou a iniciar uma pesquisa sobre o funcionamento da mente, a natureza dos pensamentos e os processos de construção da inteligência. O processo de interiorização foi uma tentativa desesperadora de tentar me explicar e de superar minha miséria emocional.
Para muitos, a dor é um fator de destruição; para outros, ela destila sabedoria, é um fator de crescimento. Ninguém que deseja conquistar maturidade em sua inteligência, adquirir sabedoria intelectual e tornar-se um pensador e um poeta da existência pode se furtar de usar suas dores, perdas e frustrações que, às vezes, são imprevisíveis e inevitáveis, como alicerces de crescimento humano.
Procurei, apesar de todas as minhas limitações, investigar, analisar e criticar empiricamente os fundamentos dos postulados biológicos da depressão, a psicodinâmica da construção dos pensamentos de conteúdo negativo, os processos da transformação da energia emocional depressiva etc. Esse caminho, no começo, foi um salto no escuro da minha mente, um mergulho no caos intelectual, que desmoronou os conceitos e paradigmas de vida. Esse mergulho interior me ajudou a reorganizar o caos emocional, a dor da minha alma. Contudo, no início, me envolvi mais num caldeirão de dúvidas do que de soluções. Porém, foi um bom começo.
O caos emocional da depressão, se bem trabalhado, não é um fim em si mesmo, mas um precioso estágio em que se expandem os horizontes da vida. Eu nunca havia percebido que, embora produzisse muitas idéias, conhecia muito pouco o mundo das idéias, a construção dos pensamentos e o processo de transformação da energia emocional.
Muitos psiquiatras não têm idéia da dramaticidade da dor da depressão e das dificuldades de gerenciamento dos pensamentos negativos que a promovem. Entretanto, o eu pode administrá-los e, conseqüentemente, resolvê-la. Costumo dizer que se o eu der as costas para a depressão e para os mecanismos subjacentes que a envolvem, ela se torna um monstro insuperável, mas se a enfrentarmos com crítica e inteligência, ela se torna uma doença fácil de ser superada. No capítulo sobre o gerenciamento do eu este assunto ficará claro.
Meu inverno emocional gerou uma bela primavera de vida, pois estimulou-me a sair da superfície intelectual, da condição de ser um passante existencial, de alguém que passa pela vida e não cria raízes dentro de si mesmo, para alguém que conseguiu se encantar com o espetáculo da construção de pensamentos.
Não há gigantes no território da emoção. Todos passamos por períodos dolorosos. Ninguém consegue controlar todas as variáveis dentro e fora de si. Por isso, a vida humana é sinuosa, turbulenta e bela. A sabedoria de um homem não está em não errar, chorar, se angustiar e se fragilizar, mas em usar seu sofrimento como alicerce de sua maturidade.
A senda espiritual é como qualquer caminho: há buracos e
desvios. Para andar com segurança é necessário uma qualidade muito pouco
ensinada mas que se mostra essencial: discernimento. Mariana Caplan nos ensina a
desenvolver o critério necessário para levar uma vida espiritual com
inteligencia e clareza.
A iluminação tem a ver com uma felicidade repentina ou com o
desmantelar de nossas ilusões? Qual é o melhor modo de trabalhar o ego e a
sombra? Aqui estas e outras questões são respondidas, oferecendo aos praticantes
de qualquer tradição um guia para transitar no labirinto de crescente sutiliza
que define uma genuína vida espiritual.
As seguintes 10 categorias não
pretendem ser definitivas, mas são oferecidas como uma ferramenta para tomar-se
consciência das mais comuns doenças espirituais transmissíveis.
1. A Espiritualidade Fast-Food: Misture a
espiritualidade com uma cultura que celebra a velocidade, a multitarefa e a
gratificação instantânea e o resultado é provável que seja a espiritualidade
fast-food. A espiritualidade fast-food é um produto da fantasia comum e
compreensível de que o alívio do sofrimento da nossa condição humana pode ser
rápida e fácil. Uma coisa porém é certa: a transformação espiritual não pode ser
obtida em uma solução rápida.
2. Falsa Espiritualidade: a espiritualidade do
falso é a tendência de falar, vestir e agir como se imagina que uma pessoa
espiritual seja. É uma espécie de imitação da espiritualidade que imita a
realização espiritual à maneira do tecido estampado de pele de onça que imita a
pele genuína de uma onça. (Aqui nós encontramos aquelas pessoas que estão sempre
sorrindo e sendo boazinhas, que não dizem palavrões e que jamais se irritam ou
perdem a calma. Pelo menos, aparentemente)
3. Motivações Confusas: Embora o nosso desejo
de crescer seja genuíno e puro, muitas vezes ele se confunde com motivações
menores, incluindo o desejo de ser amado, o desejo de pertencer, a necessidade
de preencher nosso vazio interior. A crença de que o caminho espiritual removerá
o nosso sofrimento e ambição espiritual, o desejo de ser especial, de ser melhor
do que, de ser "o único".
4. Identificando-se com Experiências
Espirituais: Nesta doença, o ego se identifica com a nossa experiência
espiritual e a toma como sua própria, e nós começamos a acreditar que estamos
incorporando insights e idéias que surgiram dentro de nós em determinado
momento. Na maioria dos casos, isso não dura indefinidamente, embora tenda a
perdurar por longos períodos de tempo para aqueles que se julgam iluminados e/ou
que trabalham como professores espirituais.
5. O Ego Espiritualizado: Essa doença ocorre
quando a própria estrutura da personalidade egóica se torna profundamente
integrada com conceitos espirituais e ideias. O resultado é uma estrutura
egóica, que é "à prova de bala." Quando o ego se torna espiritualizado somos
invulneráveis a ajudar, a novas informações ou a feedbacks construtivos. Nos
tornamos seres humanos impenetráveis, travados em nosso crescimento espiritual,
tudo em nome da espiritualidade.
6. Produção em Massa de Professores
Espirituais: Há uma série de tradições espirituais em moda atualmente que
produzem pessoas que acreditam estar em um nível de iluminação espiritual ou
maestria muito além de seu nível real. Esta doença funciona como uma correia
transportadora espiritual: coloca um brilho, leva àquele insight, e - bam! -
você está iluminado e pronto para iluminar os outros de maneira similar. O
problema não é aquilo que tais professores ensinam, mas representarem a si
próprios como tendo realizado a maestria espiritual.
7. Orgulho Espiritual: O orgulho espiritual
surge quando o profissional, através de anos de esforço trabalhado efetivamente,
alcançou certo nível de sabedoria e usa esse conhecimento para recusar novas
experiências. Um sentimento de "superioridade espiritual" é outro sintoma desta
doença transmitida espiritualmente. Ela se manifesta como uma sensação sutil de:
"eu sou melhor, mais sábio e acima dos outros porque sou espiritual".
8. Mente de Grupo: Também conhecido como o
pensamento grupal, mentalidade de culto ou doença ashram. A mente de grupo é um
vírus insidioso que contém muitos elementos tradicionais da co-dependência. Um
grupo espiritual faz acordos sutis e inconscientes sobre as formas corretas de
pensar, falar, vestir e agir. Indivíduos e grupos infectados com o "espírito de
grupo" rejeitam indivíduos, atitudes e circunstâncias que não estão em
conformidade com as regras, muitas vezes não escritas, do grupo.
9. O Complexo de Povo Escolhido: O complexo de
pessoas escolhidas não se limita aos judeus. É a crença de que: "o nosso grupo é
mais poderoso, iluminado, evoluído espiritualmente e melhor do que qualquer
outro grupo". Há uma distinção importante sobre o reconhecimento de que alguém
encontrou o caminho certo ou o professor ou a comunidade certa para si e, o
tendo encontrado, aquele é O Único.
10. O Vírus Mortal: "Eu Cheguei": Esta doença é
tão potente que tem a capacidade de ser terminal e mortal para a nossa evolução
espiritual. Esta é a crença do "Eu cheguei" na meta final do caminho espiritual.
Nosso progresso espiritual termina no ponto em que essa crença se cristalizou em
nossa psique. No momento em que começamos a acreditar que chegamos ao fim do
caminho, um maior crescimento cessa.
"A essência do amor é a percepção", de acordo
com os ensinamentos de Marc Gafni, "Portanto, a essência do amor próprio é a
auto-percepção Você só pode se apaixonar por alguém que você pode ver claramente
– incluindo a si mesmo. Amar é ter olhos para ver. É só quando você se vê
claramente que pode começar a se amar ".
É no espírito dos ensinamentos de Marc que eu
acredito que uma parte crítica do discernimento da aprendizagem no caminho
espiritual é a descoberta da doença generalizada do ego e do auto-engano que
está em todos nós. Ou seja, é quando precisamos de senso de humor e do apoio de
amigos espirituais reais. À medida que enfrentamos nossos obstáculos para o
crescimento espiritual, há momentos em que é fácil cair em um sentimento de
desespero e auto-diminuição e perder nossa confiança no caminho. Precisamos
manter a fé em nós mesmos e nos outros a fim de realmente fazer a diferença
neste mundo.
Mariana Caplan, Ph.D.
Autora de “Eyes Wide Open” (Olhos Bem Abertos):
Cultivando o Discernimento no Caminho Espiritual
Nossas crenças e valores são moldados
pela cultura. Embora exista uma base genética para certos atributos e
comportamentos humanos, os conhecimentos que possuímos e o modo como pensamos e
agimos de acordo com esse conhecimento é fundamentalmente um fenômeno
ambiental.
Tendo isso em mente, o sistema monetário
precisa de uma forma de comunicação para informar ao público do que uma
companhia disponibilizou à venda. Essa forma de comunicação é denominada
"propaganda". A característica da propaganda é a "promoção" e
promoção é uma maneira de comunicação, que, em geral, cria uma tendência em
favor do produto em questão.
Em outras palavras, a função da propaganda é
induzir. Ou em termos mais diretos, manipular o consumidor a comprar um produto.
Essa manipulação toma muitas formas, mas a mais
eficaz é a manipulação
e/ou exploração dos "valores" da audiência expectadora – o que ele ou
ela acham importante.
Entretanto, antes de prosseguirmos, é preciso
salientar que os padrões de consumo em massa atualmente vistos nos Estados
Unidos e em outros lugares nem sempre foram o caso.
A América foi originalmente fundada, até certo
ponto, numa espécie de ética protestante, onde a economia e a prosperidade eram
valores dominantes. Contudo, no início do século XX, um esforço concentrado da
comunidade de negócios começaram a distorcer essas noções e formar um
novo exército de
consumidores impulsivos, sempre insatisfeitos, cientes dos
status.
As agências de publicidade mudaram de um foco
utilitário para esse calibrado para o apelo emocional e status. Em conseqüência,
hoje o americano padrão consome duas vezes mais do que consumia desde
o fim da Segunda Guerra Mundial.
Uma das mais poderosas formas de "manipulação de valores"
vem da reassociação da identidade de uma pessoa a um ideal específico. O
patriotismo e a religião são exemplos clássicos, uma vez que através da
doutrinação na infância/juventude, a pessoa é geralmente condicionada a sentir
uma íntima conexão pessoal a um país ou religião, condicionando assim essa
pessoa a querer apoiar as doutrinas, incondicionalmente.
Outro exemplo disso é o conceito de "moda". A moda toma
muitas formas, de roupas que as pessoas usam a ideologias que elas propagam.
Para ilustrar o quão bem sucedido a indústria comercial se tronou em manipular
os valores dos seres humanos para ganho próprio, muitas pessoas podem hoje serem
vistas andando por aí vestindo certos artigos comerciais, apenas pelo propósito
de expor a marca da companhia, projetando algum tipo de status social
aparente ou "expressão estilizada" delas.
A assinatura camisas "Tommy Hilfiger", a marca
comercial de bolsas "Prada" e os reluzentes relógios "Rolex" são exemplos de
produtos onde a utilidade ou função de um item perdeu a relevância
completamente, sendo a importância agora originada do que o item
"representa".
Infelizmente, o que essas pessoas não
compreendem é que elas nada mais são do que propagandas ambulantes das respectivas
companhias, tão-somente.
O "status" ou "expressão" de fato existe
inteiramente nas condicionadas "projeções de valores" dessa pessoa, e se pessoas
o bastante são manipuladas do mesmo modo, surge uma "tendência", que reforça
mais ainda a ilusão via identificação coletiva. Essas tendências podem se tornar
tão poderosas, que aqueles que não aderem à mania podem ser excluídos.
Vaidade à parte, devemos também examinar os
valores distorcidos criados na forma de mentalidades e visões de mundo. Essa
constante necessidade de interesse próprio normalmente se espalha como um câncer
dentro outras áreas psicológicas, criando e reforçando neuroses como "ganância", "inveja" e
"ego".
O que este humano esta fazendo aqui sentado numa mesa de bar , numa bela noite , um cara simples , com luz viva ... deixa uma semente atravez das suas letras , quer mais , abandonou a Força e foi deixar a alma junto do ser e curtir um bom Regaae ...
Agora to aqui junto de vocês escrevendo coisas simples que a gente gosta , cantar sentir e dançar .
mais um dia se foi e junto veio a noite e eu quero curtir assim como nós ... queremos ... vamu viver , vamu rodar ... sem sentido , sem rumo , mais tandu feliz e cheio da graça ....
escrever em palavras agora não tem significancia ... somente 2 imagens poderiam contemplar o que nós humanos todos temos , istu tudo ae ....
falar é facil dificil é tentar trasnmitir
Bom findi semana a alguns que curtem a vida como eu neste barco .... te a proxima , e curti o maximo dentro de um rolle consciente
Aquele abraço ....
Xutos e pontapes pelo caminhar desta sociedade desunida .....
A ponte ao invés dos muros ......
unir ao inves de separar !
Somos o toldo e não por partes ...
S.m. e f. e adj. Pessoa sem moral, desonesta; patife, infame, velhaco.
Do italiano canaglia, «patife; canalha»,
Do latim canalĭa, colectivo de canis, «cão»
De cara, ele pode parecer irresistivelmente sedutor. Para começar, o tipo cafajeste é realmente sedutor — e, se nossa autoestima estiver baixa e a carência, alta, ele vai parecer ainda mais irresistível. O cafajeste é propaganda enganosa. O cafajeste conhece a técnica de sedução, da qual faz uso para que seja visto como "o cara". Quem se deixa levar pelo cafajeste é carente e pouco exigente. Como ele cria um papel, e certamente será desmascarado, procura por almas ingênuas. Assim, a farsa dura mais. Recusa sempre a comunicação direta, essa é sua grande arma. Ele destrói sua autoconfiança, mina suas certezas, alimenta suas culpas. Em público, continua agindo como um perfeito príncipe. É sua tática para mantê-lo isolado. O que adianta desabafar se ninguém acreditará em você? Ele sempre enfatiza seus possíveis erros para lembrar sua nulidade. Você acaba se sentindo esvaziado, idiota e sozinho.O tipo é destrutivo e não sabe ser de outra forma. Pode assumir diferentes personagens, tornando mais difícil desmascará-lo antes de o estrago estar feito. Normalmente, foi machucado na infância e tenta sobreviver da forma como aprendeu.
Pra quem tem olhos de ver, um pingo, é "i". Isso vale pra tudo!
Para se aprofundar no assunto, procure pelo livro "Canalha" de Fabricio Carpinejar, Editora Bertrand Brasil
Quando criamos nossas crianças com base num
sistema educacional voltado para o ajustamento servil ao ego social, não podemos
depois reclamar, quando elas com seus egos devidamente estruturados, aos nossos
egos cristalizados, fizerem descabidas exigências.
Eduardo Marinho: Olha eu não tenho nada
programado não; a idéia é essa ai. Estou esperando as perguntas, você vão ter
que fazer essa palestra. Não tem dúvida não? Alguma pergunta? Ficou várias
coisas pela metade ali. Na hora que eu falei "raiva", ela tinha me perguntado
assim: "O que que você sente quando você olha para a nossa política?" Ela fez
uma boa pergunta. Tem várias coisas ali que ficou só um pedaço.
Eu não acho que eu tenha feito algo que tenha
merecimento, não; eu fiz por uma necessidade interna. Na verdade, eu não sabia o
que é que eu estava procurando, o que aconteceu é que eu olhava pra vida e todas
as opções que eu via na minha frente pareciam furadas. As pessoas diziam que era
isso que tinha e eu falava: "Não é possível! Tem que ter alguma outra coisa!...
Não é possível que a gente nasce para constituir matrimônio... A gente não
leva!... A gente está de passagem!"
Uma pergunta que eu faço para colocar as
pessoas para pensarem é "Qual o contrário de morte?" Eu sei que é uma pergunta
forte, meio baixo astral... É uma pergunta natural que talvez a gente entre. A
resposta mais comum, é vida. A morte é um momento, a vida é um espaço de tempo.
A morte é a porta de saída, a porta de entrada é o nascimento. Então a gente tem
a entrada, a passagem e a saída... A gente está de passagem...
Quando meu pai me perguntou, nos últimos papos
que eu tive com ele... Ele estava lá, nervoso...
— Pô! Afinal de contas o que é que você quer da
vida?
— Tudo que eu puder levar!
Ele parou; me olhou:
— Você está com problema!...Você precisa de
ajuda!
E eu fiz a Via Cruzis... Eu fui num psicólogo
até o cara falar que "Não! Ele não pode estar equilibrado, não!"... Depois eu
fui num psiquiatra e ai o psiquiatra falou: "Não, ele não está doido não!"... Ai
me levaram num padre, porque eu só podia estar endemoniado. Então o padre pediu
para ficar sozinho comigo e daqui há pouco ele falou que estava tudo certo, que
aquilo era um heroísmo, que a minha vida ia ser muito difícil, mas muito bonita
e tal... E quando eu sai dali, ninguém acreditou....
— "É mentira sua!"
E ai, cortaram as relações comigo e eu fiquei
sem contato com os meus pais, tive filhos, eles cresceram e não conheceram
minha família. Isso, pode ser tido como uma lástima mas, na verdade, me ofereceu
a oportunidade de experiências incríveis, porque eu não tinha para quem pedir
socorro. Então, quando o "bicho pegava", eu tinha que resolver... Como a gente
fala no Rio, quem tinha que desenrolar era eu mesmo. Eu já fui preso chegando na
cidade! Nem, sabia por que eu estava sendo preso. E eu tinha que conversar com
o delegado....
Bom, tá gastando! Ninguém tem pergunta a
respeito? Uma? Pô! Tanta gente!...
Acadêmico: Acho que só pra gente começar a
conversar, então: como é que foi essa tua vivência da educação, no processo de
educação que a gente viu no vídeo, principalmente tua posição, e como tu
enxerga isso, Eduardo, com relação realmente a função social, graduação, enfim,
e a função social desse ensino que tivemos?
Eduardo: Bom! Eu, não terminei a Faculdade, mas
estudei em colégios muito bons: colégio militar, colégio marista... Então, eu
tinha uma bagagem de conhecimento muito boas, só que eu nunca vi isso como
superioridade, mas como responsabilidade: eu sei mais do que a maioria, então eu
tenho uma responsabilidade com essa maioria; vou levar esse conhecimento onde eu
for! Eu vou dizer para todo mundo! Porque, na verdade, quando eu sai do
exército, que é o melhor ensino médio do Brasil e fui fazer o cursinho
pré-vestibular, eu convivi com pessoas que estudavam no ensino público e eu
achava que eles estavam de sacanagem quando eles não sabiam nada! E um deles,
uma vez, me trouxe uma prova do ensino público, do terceiro ano... Eu achei que
era mentira!... "Não, não é possível! Uma prova com essa superficialidade, não é
possível! Você está brincando! Não é assim!"... Ai eu comecei a perceber que
o ensino público é uma sabotagem!... As pessoas falam que o ensino é ruim
porque os políticos são incompetentes; eles não são incompetentes não! Eles são
muito competentes. O problema é que o compromisso deles não é com o povo, não é
com o povo: é com os financiadores de campanha. Os financiadores de campanha são
pessoas privilegiadas, que necessitam, para manter seus privilégios, que o povo
seja ignorante. Então, sabota-se o ensino público.
Eu estava olhando o período do Getúlio Vargas,
quando ele fez aquela lei que obrigava toda criança de sete a quatorze anos a
frequentar escola. Até então, a criança pobre não ia pra escola; era analfabeta.
Talvez uma escolinha de fundo de igreja, que ensinasse a escrever alguma coisa,
fazer uma conta, pra servir num balcão, mas nunca pra preparar realmente. E a
escola pública ela se destinava a uma classe mais elevada, tanto que tinha
concurso. Quando a rapaziada mais pobre começou a entra, porque não foi assim, a
lei foi feita aqui e no ano seguinte está todo mundo dentro da escola... Foi aos
pouquinhos! Os filhos da classe mais pobre começaram a entrar numa escola
pública que tinha qualidade. E uma coisa que eu reparei convivendo lá nas
periferias é que quando o menino chega da escola com uma novidade e começa a
falar, a família para... A família pobre cerca o menino e fica ouvindo. Então,
imagino que nessa época, a quantidade de filhos que vinham pra casa e começavam
a explicar como a sociedade funcionava, o que que tinha aprendido na escola, foi
muito grande. Eu acho que por isso, nessa época, o sindicalismo foi tão
efervescente porque os pobres começaram a entender como funciona:
— "Pera aí! Nós estamos sendo sacaneados! O
Poder Público tem obrigação de cumprir com a Constituição e dar Educação de
Qualidade!"...
E começou a exigir, e começou a dar fruto, e
começou a efervescência. E ai a nata dos empresários começou a ver aquilo com
preocupação:
— Como é que sabota isso? Como é que para com
isso? Esse povo está muito, está muito agitado!
Tanto que o João Goulart, que foi o último
presidente democrático, ele deu 100% de aumento no salário mínimo, ele decretou
a reforma agrária, desapropriando em torno das rodovias e das ferrovias federais
e fez uma série de mudanças que atendiam as reivindicações das classes mais
pobres. Não é atoa que derrubaram! Tinham que derrubar! E assim que os militares
chegaram ao poder, a lei que cuida da carreira dos professores, não estou
lembrando o nome, parou! O aumento salarial do professor, parou, a inflação
comeu! Começou a pipocar um monte de escola particular, a rapaziada mais
abastada começou a tirar seus filhos da escola pra não se misturarem, começou a
botar na escola particular, a escola particular começou a pagar melhor. Os
professores públicos passaram a ganhar pouco, começaram a passar para as escolas
particulares e o que ficou na escola pública foi o resto. De 64 pra cá, gerações
se passaram e o processo de sabotagem foi só aumentando. Hoje, o ensino público
é uma ruína. A quantidade de professores que tem problema nervoso é enorme e as
pessoas não se preocupam. O Governo agora está fazendo uma repressão encima dos
professores, dizendo que a culpa do ensino ser ruim é dos professores. Eles
estão sempre colocando a responsabilidade no lugar errado. Na verdade , eu
atribuo isso a uma estratégia:
Você quer controlar um povo?
Sabota a educação e controla as comunicações! Com a mídia privada você
cria a desinformação completa! Você forma valores! A pessoa que é pobre se
sente inferior; a pessoa que é abastada se sente superior. Isso é colocado no
subconsciente... Você vê um cara que é endinheirado, se ele é bom de coração,
ele trata com a educação, com benevolência, mas você sente que ele sente
superioridade. É inconsciente. Assim como o cara que é mais pobre se sente
inferior, inconscientemente. Ele disputa entre os pobres. No Rio eu vejo muito
isso: o pobre aguenta ouvir de um rico, coisas que ele não aguenta ouvir de
outro pobre; ele reage. Mas, se ele está diante do patrão dele, não reage; ele
tem medo e se sente inferiorizado. É como se o cara tivesse mais direitos do que
ele. Isso é colocado no inconsciente. Eu atribuo isso a uma estratégia mesmo de
dominação. Por isso que a educação não é ruim porque os políticos são
incompetentes; é ruim porque interessa ser ruim. Está bom pra
você?
Acadêmica: Eduardo, eu sou uma acadêmica de psicologia, meu nome é
Andrea. Num vídeo do seu blog, tem um professor que ele cita Fernando Pessoa, e
ele diz a seguinte frase: "O indivíduo é o cadáver adiado". Eu queria
saber o que você pensa sobre o indivíduo, sobre a questão de liberdade e de
individualização.
Eduardo: Não tinha mais fácil, não?
Platéia: Te
falei que vinha bomba!
Eduardo: Eu acho que o indivíduo e o coletivo,
eles se assemelham. O que você vê no indivíduo, você vê na coletividade. É o
micro dentro do macro. Você já reparou como o sistema solar parece um átomo? Eu
acho que as coisas são encaixadas. As mesmas idiossincrasias que você vê no
indivíduo, você vê na sociedade: esquizofrenia é o que mais tem! Não é?
Bom: especifica aí! Cadê o microfone dela?
Acadêmica: É que é assim! Faz
uma critica com relação ao sistema que a gente vive, o sistema social... Eu
queria saber o que que tu pensa sobre a liberdade de expressão, sobre a
liberdade do indivíduo, como se constrói isso, sobre a individualização, essa
questão toda. O que tu pensa sobre isso?
Eduardo: Olha, liberdade de
expressão a gente praticamente não tem, não é? A não ser no particular. Porque
se você vai às redes de comunicação, você não tem liberdade nenhuma. Você tem
liberdade de mentir. É o que a mídia reivindica: liberdade pra mentir. Você vai
querer regular, vai querer botar algum organismo tomando conta, movimento social
tomando conta da mídia, eles reagem na mesma hora: "Liberdade de expressão!"
Só que eles mentem!... Uma coisa que me deixa pasmo é que essas TVs já
foram flagradas, mentindo seriamente. Ao longo de décadas a gente vem vendo
denúncias em cima de denúncias... Lembram das diretas já em São Paulo, que eles
disseram que era uma comemoração de aniversário?... De lá pra cá tem um monte de
mentiras e as pessoas continuam acreditando! E eles não sofrem a menor
repressão! O que, para mim, é um sintoma de que eles estão instalados no poder,
na sociedade. Na verdade, a cena política, para mim, é um teatro de marionetes.
Tanto que eu já não fecho mais com aqueles movimentos que saem xingando
político. Não brigo com boneco. Vamos denunciar quem está por cima dele, porque
quem segura as cordinhas, fica no escuro! Quem segura as cordinhas, comanda os
holofotes! Os holofotes são a mídia e a mídia mira nos bonecos. E as pessoas
pensam que o político é responsável... Não! Isso é planejado pelo chefe dele,
que é o cara que bota dinheiro na campanha! Se ele pisar fora da risca ele não
tem mais dinheiro pra campanha! Então, a gente precisa parar de acreditar que o
poder é político. Não é! O poder é econômico! Está atrás do mercado. O mercado é
um nome genérico que esconde meia dúzia de famílias, que é quem domina o
mercado. Tem alguns milhões de figurões que eles controlam, agora, quem domina
mesmo, meia dúzia, no máximo dez famílias, estão dominando. E dominam aqui pra
dentro porque pra fora eles se modernizam. Existem maiores ainda... O Grupo de
Bilderberg... Alguém já pesquisou o Grupo de Bilderberg?... Está no Google!... É
uma turminha da pesada! Que se reúne uma vez por ano e fecham a cidade, eles se
reúnem e discutem as políticas públicas pros estados que eles vão impor aos
estados, sob pena de reprimir o governo. Pra ai está a mídia! Pra ai está o
dinheiro! Pra ai está o financiamento de campanha. O controle da sociedade é
exercido pelo escuro, mas ele não é impossível de ser visto! Você só precisa
desacreditar nas verdades que foram contadas, imutáveis... A gente é cercado
de mentira por todos os lados!... O mundo não é o mercado. A humanidade é uma
coletividade solidária, assumindo isso ou não. Todo mundo sofre os efeitos do
comportamento coletivo. A vida não é uma competição, a vida é muito melhor
quando você coopera. Competir é angustiante... Eu acho que nunca se tomou tanto
anti-depressivo, porque as pessoas acreditam nisso, correm atrás e a partir de
uma certa idade, perde o sentido! Dá uma angústia! Porque não é isso que se quer
da vida!... Felicidade é consumir, é ter coisas, é ter luxos... É mentira!
Felicidade é gostar e ser gostado! Felicidade é se relacionar bem com a
coletividade! Felicidade é se sentir útil pra coletividade!... Mas eles
plantam essas idéias!
A publicidade ela entra em todos os lugares... Você
abre, acordou de manhã, lavou a cara, abriu o armarinho, tem um monte de marca
na sua cara!... Você saiu do portão tem propaganda... Passa um táxi, um ônibus:
publicidade! Ligou televisão: publicidade! Dentro do filme, dentro da novela,
subliminares, o tempo todo a gente está sendo induzido! Se a gente está
distraído, a gente adere à todos esses valores e são todos
falsos!
Uma coisa que me apavorou quando eu tinha dezenove anos — eu
estava até falando com a Patrícia —, quando eu tinha dezenove anos eu conheci
uns velhinhos que eu percebi claramente nos olhos deles, a angústia de ter
tido uma existência em vão! É um sentimento assim: "Poxa! Me enganaram e
agora, não dá mais tempo!"... Eu fiquei apavorado!... "Ah! Eu não vou por
ai! Não vou mesmo! Não sei por onde vou, mas por ai, não vou! Eu morro antes de
chegar nessa idade, mas eu não vou chegar nessa idade desse jeito!"... Eu já
tinha percebido que me enganavam quando eu estava no exército, que aquilo lá não
defende porra nenhuma! Aquilo lá ataca o povo! Está pronto pra
isso! Depois eu fiquei sabendo que foi dinheiro do exterior que financiou a
escola de oficiais do exército brasileiro, em Rezende, um cidadezinha que tinha
20.000 habitantes, antes disso era em Realengo, um bairro popularíssimo...
Então, os caras se formavam indo às festas ali no bairro, se sentiam parte da
população... Não é atoa, que até antes da segunda guerra mundial, todos os
movimentos revolucionários tinham militares no meio. Depois da segunda guerra
mundial, o Brasil subalternizado, o exército brasileiro subalternizado ao
exército estadunidense, ai houve essa separação: a escola de oficiais vai pro
meio do mato, fica isolado. Quando eu estive no exército, uma das primeiras
coisas que eu ouvi é que militar não é parte da massa; o militar é superior à
massa. O último grau do militar que é o soldado, ele é superior ao paisano. Na
lista, que eles deram de hierarquia, por último, vem o paisano. Ele nem militar
é, como é que vai ser subalterno? Mas isso é plantado no inconsciente do
militar, ele acredita nisso, ele se sente assim! Entendeu? Tudo isso faz
parte de uma estratégia de dominação da coletividade, que resulta em esvaziar a
vida da gente. A gente vive a angústia da moda, porque acredita em valores
falsos! Se a gente parar para refletir — outra atividade que é reprimida, a
reflexão —... "Não reflita! Deixe que a gente reflete pra você!"... Eles
colocam as reflexões, as explicações, as verdades, e se você pensa, o próprio
meio social vai te reprimir... "Você não pode pensar assim não!"...
Eu ouvi isso quantas vezes. "Menino, não se pergunta tanto assim não! Isso
não se pensa! Ninguém sabe como é que é!"... Quer dizer: o questionamento
real, ele é reprimido. Se você questionar como comprar um carro, como é que eu
vou ganhar dinheiro, pra isso você é estimulado! Ai você vai esvaziar a sua
vida. A partir de uma certa idade, você vai começar a ter uma angustia incrível,
porque você vai começar a ter a sensação de que te engaram (isso se você tiver
alguma capacidade reflexiva). Tem gente que passa boçal ai pela vida inteira e
acha que é isso mesmo! Mas está rotulado se se tocar! Mas em geral, as pessoas
tem que se reprimir: "Não: eu tenho que me adequar!"... As pessoas
acreditam que tem um problema... Quantas vezes eu pensei que eu tinha alguma
coisa errada?... "Eu tenho que ter alguma coisa errada! Só eu que penso
assim! Só eu que me angustio! Só eu que não quero o que todo mundo quer!"...
Foi a pergunta que eu ouvi do meu pai:
— Você pensa que é melhor do
que os outros pra não se satisfazer com o que tudo mundo se
satisfaz?
Quer dizer: você passa a ser discriminado. E, no entanto, você
está tentando se aproximar da realidade, porque essa que é pesada pra gente, é
toda falsa! Ela rompe as pregas no primeiro balanço. O problema é que ninguém
ousa balançar; ou são poucos. Mas ela rompe, geral, é só prestar atenção que
você vai ver que é tudo indução... os valores, os objetivos de vida, os
desejos... Eu trabalho muito em favela, sabe, e eu vejo que o cara, o cara tem
um filho na escola, ele sabe que a escola é uma porcaria, que o filho vai ter
terminar o ensino médio e mal vai conseguir ler um texto, mas ele não reivindica
esse direito constitucional que ele tem... Ele está sonhando com aquela marca no
corpo dele pra ser visto socialmente, ele quer um celular de marca, um tênis de
marca, uma roupa de marca, ele foi induzido a querer coisas de quem já tem
seus direitos garantidos. Ele não luta pelos direitos, ele acha que isso
mesmo... "Não, é sempre assim! É incompetência dos políticos!"... Ele
acredita nesse monte de mentiras... Está bom pra você?
Acadêmico:
Eduardo, retomando a a situação da palestra, "Educação e a responsabilidade
social", tu fala com teu vídeo, fala continuamente, sobre a parte de
competição. A gente está dentro de uma universidade, que a gente se diz
comunitária, e a gente acaba que a formação, aqui dentro, a gente busca muito,
são professores e acadêmicos com uma competitividade tão grande, um com o
outro... É professor dizendo, dentro de sala de aula, que não adianta tu ajudar
o do lado que ele vai ser o teu concorrente mais tarde, então, eu queria que tu
desse uma conversada sobre isso assim, principalmente sobre essa parte de
cooperativismo e da responsabilização do ensino superior, dos acadêmicos que
saem daqui, a quantidade de pessoas que tem lá fora e que não tem a oportunidade
de ter um conhecimento que tem aqui dentro, a responsabilidade das pessoas que
estão aqui e que tem esse conhecimento, de levar lá pra fora, de disseminar
isso, disseminar esse conhecimento.
Eduardo: Olha, eu estive no Paraná,
num evento chamado "A geografia dos excluídos e os
excluídos da geografia", eu fiquei surpreso de encontrar lá, uma
rapaziada... Eu vinha decepcionado com a Universidade há muito tempo... Houve um
processo de dispolitização da estudantária... Eu peguei o finalzinho da
ditadura, era muito divertido. Mas, de lá pra cá, as cabeças foram caindo, foram
caindo e as pessoas foram ficando cada vez mais egoístas. Eu acho que esse é um
processo induzido também. Todo mundo sendo inimigo, as pessoas não se unem. Isso
interessa pra quem está lá em cima. Seja bom, seja melhor que os outros e eu te
premio. Não é verdade? Aqui todo mundo já estudou às custas do povo, não é? Do
povo! O sistema tributário no Brasil, ele está em cima do consumo, então, a
carga maior é em cima da população. Aqui todo mundo está estudando às custas
do povo. Agora, quem é que tem a intenção de levar esse conhecimento que busca
aqui — e que é negado ao povo —, pra servir ao povo? Não existe essa
mentalidade a não ser nas exceções e essas exceções sofrem: são discriminadas,
são marginalizadas, muitas vezes, são até perseguidas. Mas, é o tal negócio: uma
coisa é o que você julga ser o seu direito, uma coisa é o que é o direito legal,
outra coisa é o que é o direito moral. Eu acho que, moralmente, todo mundo da
universidade tem dívida com a maioria, porque a maioria, já nasce
sabotada. Se você é filho de analfabeto sua escola vai ser uma porcaria. Se
você é filho de pobre a sua escola vai ser uma porcaria. Você não vai a lugar
nenhum com essa escola. Provavelmente você vai abandonar no meio do caminho. Se
não me engano, o índice este ano está em 70% de abandono; a rapaziada que entra,
70% não sai, no ensino médio... Não termina... A escola expulsa as pessoas...
A evasão escolar, dá a impressão que as pessoas abandonam a escola. Não! A
escola abandona as pessoas! Na verdade, o ensino público não merece nem o nome
de ensino... É uma sabotagem, descarada. Quem tem acesso a privilégios
negados à maioria tem obrigação com essa maioria, ainda mais que é essa maioria
que paga e paga com sangue, com suor, com sofrimento. É arrancado deles, eles
não pagam sabendo que estão pagando; eles pagam porque eles tem que comer:
quando eles compram a comida, quando eles pagam o sapato, eles estão com esse
imposto lá, está sendo arrecadado. Então, eu acho que qualquer universitário tem
uma dívida moral. Eu não tenho a manha de chegar num universitário e dizer:
"Olha, você tem uma dívida moral" e botar o dedo na cara dele. Ele tem a
consciência dele. Na minha consciência, na minha opinião, qualquer pessoa na
universidade tem uma dívida moral com a maioria e devia tratar essa maioria com
muito carinho, porque eles são sacaneados, eles são vítimas de uma sociedade que
é estruturada em cima da miséria. A miséria não existe porque é inevitável;
ela existe porque ela é necessária para essa estrutura que existe ai. Na
verdade, eu penso que o estado devia ser estruturado pra priorizar situações de
facilidade. Quem tinha que ser mais importante, não é o dono do negócio, não é a
isenção fiscal pra empresa... O que tem que ser priorizado é idoso, é miserável,
é doente, e, sobretudo, criança. As crianças tinham que ter um ensino muito bom
e, no entanto, não tem. O que eu vejo é um estado criminoso que não cumpre
nem a sua constituição, porque a obrigação do estado é garantir educação de
qualidade, alimentação de qualidade, moradia, dignidade e cidadania. Alguém pode
dizer que ele garante alguma dessas coisas? Não garante nada e ainda piora
tudo! Por que? Porque quem está controlando o estado são grandes empresas que
pra pagar salário baixo, precisa ter muito desemprego pra que os funcionários
aceitem um salário baixo, em situações escorchantes de trabalho, com medo de
cair na miséria. Então, a miséria é necessária pra chantagear as pessoas. Está
bom? Olha o microfone lá atrás!
Acadêmico: Boa noite! Meu nome é Maurício
e eu sou um acadêmico do curso de Direito e, voltado para o Direito, eu queria
fazer a seguinte pergunta pra ti: Que que tu pensa sobre o poder judiciário
brasileiro e os juízes em si?
Eduardo: Gilmar Mendes... Responde tua
pergunta? É outra área dominada. Esse cara foi colocado lá. Ele defende
interesses... Alguém lembra do lance do Protógenes, quando prendeu aquele
banqueiro lá, Daniel Dantas? O cara já sabia da mutreta, então, ele juntou uma
quantidade imensa de provas — ele é de Niterói, lá onde eu moro e eu cheguei a
ver uma palestra dele, depois — ele juntou um montão de provas, procurou o juiz,
apresentou a metade. Ai o juiz olhou, conferiu, falou: "Não! Mandato de
prisão!"... Ai ele saiu, tomou um café, voltou, procurou o mesmo juiz e
apresentou a outra metade e o cara deu um segundo mandato de prisão. Ai ele foi
buscar o cara, prendeu, trouxe pra delegacia, em duas horas, era de noitezinha,
o Gilmar Mendes saiu da casa dele e foi no Supremo, deu um Habeas Corpus — tinha
dois mil Habeas Corpus esperando — ele deu na hora um Habeas Corpus, chegou na
delegacia, soltaram o cara. Ai o cara foi pra casa, o Protógenes estava na porta
da casa dele com o outro mandato; pegou ele e levou de volta pra delegacia. A
impressão repercutiu. Chamaram o Gilmar Mendes de novo, ele voltou lá e deu
outro Habeas Corpus. Isso é uma palhaçada! O sistema judiciário é um sistema que
não tem moral. Tem muita gente sofrendo lá dentro, gente boa, que entra com boa
intensão, de buscar justiça e esses são os mais discriminados. Se você vai
no fórum você vê isso. Eu detesto ir em Fórum, a defensoria pública é uma
desgraça. Você tem que perder um dia inteiro lá, pro advogado dizer pra você que
não vale a pena não você entrar com uma ação, que não vai dar em nada. São
pessoas que recebem condições de trabalho num último patamar ali, mas não gostam
de estar ali. O direito é uma área nevrálgica e é colocado de lado, enquanto
isso ele é controlado, sabotado pelos caras que... Eu tenho a impressão que os
caras já estão investindo na Academia: procuram os mais irracionais e falam: "A
gente vai propor aqui pra vocês... O Gilmar Mendes eu acredito que foi assim,
tanto que ele foi lá pro Supremo. Olha esse Advogado Geral da União... O
engavetador geral da república, quanta coisa séria chegou nele e ele engavetou?
Quer dizer, é mais uma área pra ser controlada, faz parte da estratégia. Do
mesmo controle sobre a educação, sobre a comunicação, é sobre a área jurídica,
sobre a área política, eles controlam as áreas estratégicas e a gente parece que
não percebe, as pessoas não percebem. Eu chamo de narcotização midiática:
as pessoas buscam entretenimento. Entretenimento é uma palavra que me irrita
porque é coisa de quem não tem o que fazer, então tem que se entreter. Tem muita
coisa pra fazer. Eu tenho uma sociedade que me incomoda sobremaneira, preciso me
contrapor à isso. Eu não quero me divertir. Eu me divirto trabalhando. Eu
coloquei minha vida à serviço de trabalhar por mudanças. Se vai ter mudança ou
não vai ter, não me interessa. Eu trabalhando por mudanças, eu estou sentindo a
minha vida. Se eu trabalhar pra mim mesmo, pra enriquecer, eu vou me sentir
um idiota: isso eu não vou levar pra lugar nenhum. A minha satisfação
pessoal é muito maior do que participar de privilégios. Ao contrário: me
incomoda eu ver desperdício, porque nos momentos mais nevrálgicos da minha vida,
eu fui obrigado a ir na casa de gente muito pobre, sabe, e eu vi muitas
solidariedade, eu vi muita beleza. Eu sempre sentia dentro de mim uma injustiça
muito grande: por que é que essa gente não tem nem o que comer? Como é que eles
não tem acesso ao conhecimento? Não é difícil! Me dói! Então, quando eu vejo
privilégios, ostentações e desperdícios, eu acho isso de uma grosseria, de uma
desumanidade... Só desejar isso, pra mim já é vergonhoso, não me interessa! Meu
sonho de consumo é nunca mais me preocupar com contas, só isso! Porque ai eu
posso me dedicar mesmo ao trabalho. Você vê: eu tenho um blog com 1700
seguidores e tal, eu queria poder dar assistência à esse blog. As pessoas
divulgam, mas eu não posso, eu tenho que estar fazendo desenho e tenho que estar
botando na rua. Então, fica mais no contato pessoal, um à um, do que no coletivo
com o blog, que eu acho que teria muito mais alcance, mas eu não posso, porque
do blog não vem o pagamento das minhas contas. Vem da venda de desenhos que
estão ali fora. Entendeu? Então, o que eu desejo de material, é só ter a minha
base tranquila, mais pra mim é vergonhoso. Ter demais, uma casa com piscina, não
quero! Eu não condeno ninguém. Eu não olho com raiva pra quem está ostentando.
Só não quero pra mim. Porque, em cada idéia que eu tenho, eu tenho junto a
possibilidade de estar errado. Eu não tenho as minhas idéias como verdades.
Então, eu não tenho direito de impor isso à ninguém. Se o cara acha que o
objetivo da vida é enriquecer, vai! Eu não vou dizer que ele está errado. Ele
está certo, ele está seguindo a consciência dele, ele está certo. Outra coisa
que eu vi: as pessoas às vezes apontando a respeito dos meus pais que cortaram
relações comigo, não foi só os meus pais... Meus pais, minhas irmãs, meus
padrinhos, meus tios, meus primos, todo mundo. E, as pessoas me conheciam e eu
vi que pela expressão elas tinham raiva... "Mas como é que eles podem fazer
isso com você?"... Não, eles estão seguindo a consciência deles, eles acham
que tem de fazer isso. Então, eles estão certos. Mesmo que no final se prove que
isso foi um erro, eles estão certos porque eles estão seguindo a consciência. Se
você comete um erro seguindo a sua consciência, você está certo. O que precisa
é ter humildade pra na hora que você perceber que aquilo está errado, você
reconhecer que estava errado e mudar o rumo. É fácil! Eu vejo que as pessoas tem
muita dificuldade, mas existe um sentimento plantado que é o sentimento de
orgulho... Você tem que ter orgulho! Isso faz as pessoas ficarem frágeis... O
cara diz: "Você é um babaca!" E eu? Eu fico com raiva? Não! Ele acha que
eu sou um babaca, é um direito dele, cara! Se ele ficar insistindo muito, eu já
vou suspeitar que ele não me acha babaca nada, ela quer só que eu fique com
raiva dele. Já perguntei várias vezes, você quer ficar conversando com um
babaca? Por que você não vai procurar uma pessoa mais interessante? Entendeu?
Quando a gente tem humildade, a gente está imune contra a humilhação. Já
quando a gente tem orgulho, qualquer coisa humilha a gente, qualquer insulto
ofende. Uma coisa que eu digo pros meus filhos, desde pequenininhos: "o
orgulho é um sentimento de superioridade que inferioriza sua capacidade,
enquanto que se você for humilde, você aprende o tempo todo e nada te humilha".
Uma pessoa que diz que você é uma bagaça é só uma pessoa que diz que você é
um bagaça. Porque você vai ligar pro que ela está falando? Não dói! Está
bom?
Acadêmico: Oi, meu nome é Patrick, sou da primeira classe de
psicologia e tenho duas perguntas pra ti. Na verdade, mas pra ouvir tua opinião.
A primeira é que aqui no Brasil, em 2014 o Brasil vai ser o censo do pais mais
forte, a economia mais forte do mundo. Mas cada dia, eu acho que aqui no Brasil,
a desigualdade social ainda cresce mais. Vai ser a maior economia do mundo mas
vai ter ainda uma desigualdade social imensa. Tem pessoas que tem muito e tem
pessoas que não tem nada. Pra ti, qual é a chave pra mudar isso? Tua acha que
algum dia o Brasil vai lograr, ou mudar isso de pessoas que não tem nada e de
pessoas que tem muito? Ou isso sempre vai existir e nunca vai poder tirar isso?
E a segunda é: tu acha que a vida vai voltar, vai tirar esse conceito que você
falou que a cada dia as pessoas querem comprar mais, ter um carro mais caro,
querem ter assim, dinheiro, querem isso que é a felicidade para elas. Tu acha
que algum dia vai haver uma mudança que as pessoas só vivam para viver, não para
as coisas, mas para olhar o céu, desde pequenas assim, não essa coisa de ficar
pensando no dinheiro o tempo todo. Qual é a tua opinião com as duas perguntas
que eu fiz?
Eduardo: Olha, eu tomo muito cuidado com essas palavras
"sempre" e nunca" porque elas duram mais tempo do que a gente vive, vão pra
eternidade. Ao mesmo tempo eu vejo, à minha volta, que tudo muda o tempo todo;
nada fica como está. A sociedade não foi assim sempre e não vai ser assim
sempre. Eu espero que mude pra melhor. Eu acho que do jeito que está, piorando
tanto, os preços dos alimentos subindo... Eu tenho vizinhos que estão botando
água no leite das crianças, que estão comendo carne uma vez por semana, isso
caminha na direção relevantes. Em São Paulo está tendo levantes à toda hora, não
sai na mídia, mas está tendo levantes à toda hora. Eu acho que vai ter
convulsão. E também eu penso que o trabalho principal, na direção da mudança é a
conscientização. Eu gostaria muito que esses revolucionários que tem por ai, ao
invés de querer conduzir as massas, se dessem ao trabalho de conscientiza-las.
Pra isso eles vão precisa daquilo que eu falei: humildade... Descer do
pedestal acadêmico e aprender a língua da população. Porque eles chegam
lá dizendo em paradigma e ninguém entende o que eles estão falando. Que que
custa falar moderno? Outro dia lá na favela foi um pessoal de um partido desse
ai, e eu estava com um camarada meu. Ai quando o cara mandou assim,: "Que a luta
de classes"... Que luta de classes, cara? Num tem luta quando um lado só apanha
e o outro só bate. Vamos tomar uma cachaça? E deixou o cara falando sozinho,
cara! Não fico ouvindo. Ai o cara se indigna com o sentimento dele e fala: "O
povo não se interessa!" e ele não percebe que ele não fala a língua daquele
povo. Ele fala "academês". Não dá pra você falar "academês" com o povão. Quem
faz revolução é a população, não é a academia. E pra você mobilizar a população,
no mínimo, você tem que falar a língua dela. Se o cara desce do pedestal
acadêmico e vai vivenciando, junto da periferia, junto da favela com olhar de
aprendiz, não é ir lá pra ensinar não, é ir lá pra aprender. Porque se aqui tem
muito saber, lá tem muita sabedoria. Se um acadêmico entra lá, com o olhar de
aprendiz, porque eu quando entrei lá, entrei curiosíssimo. Eu sabia que existiam
códigos que eu não entendia, sabia que tinha valores que eu não entendia, então
ficava o tempo todo observando e eu via que ali tinha muita sabedoria e eu fui
aprendendo a falar a língua deles. Por isso que eu tenho facilidade de falar de
um modo que todo mundo entende. Ao mesmo tempo que aqui na academia as pessoas
estão vendo e gostando, lá no comitê cultural revolucionário de Acaí, também
estão me ouvindo porque eles entendem o que estou falando. É simples. Agora,
neguinho parece que tem preguiça, não que conscientizar, quer conduzir as
massas. E ainda ficam com raiva quando eu digo: "Olha, vai entregar pizzas se
você quer conduzir massas". O povo não precisa de liderança, o povo precisa de
consciência e tem muita gente fazendo esse trabalho, acadêmicos e não
acadêmicos. Eu sei porque eu trabalho em favela muitas vezes e sei que tem muito
movimento cultural rolando. Tem muito trabalho de base acontecendo. Ele não
aparece e é bom que não apareça, porque se aparecer, o sistema vai lá pra acabar
com aquilo. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, dentro das
periferias. Muita cultura, muita disposição e muito amor próprio se
desenvolvendo e eu acho que isso é fundamental. Porque o sentimento de
inferioridade ele inibe qualquer tipo de ação. Quando o cara começa a se sentir
forte e percebe a braba que ele vive, e que ele resiste, que vive assim mesmo e
dá risada assim mesmo, ai a coisa fica um pouco diferente. Eu acho que é uma
questão de tempo.
Antes de instaurar o debate principal deste trabalho, queremos, desde logo, esclarecer que, a escravidão aqui tratada, é um gênero de muitas espécies, não estando, por isto, limitada sob uma determinada forma, ou, atrelada a uma única idéia. Nossa intenção é abrir um painel expositivo, demonstrando que a “escravidão” permanece intacta até nossos dias, e mais, que dentro da conjectura societária atual, esboça novas formas e modelos.
Preliminarmente, é importante ressaltar que, a escravidão se mostra tão antiga quanto a sociedade humana, pois, utilizando-se das mais variadas formas de dominação, o homem sempre que pode, subjugou seu semelhante; como se toda sua glória e poder ensejasse para sua notoriedade, uma platéia considerável de seres servis.
Conceitualmente, mas, em sentido estrito, a escravidão pode ser definida como uma prática social, onde um ser humano detém “direito de propriedade”1 sobre outrem. Certamente, esta é sua forma clássica. Embora, se mostre sucinta e objetiva demais, para descrever um dos piores fenômenos humanos.
Pois bem, numa visão muito mais ampla, a escravidão, hoje, se aproxima da idéia que embasa o conceito de “Castas”, na Índia. Onde, há sim uma distinção social entre os indivíduos, mas não, necessariamente, adstrita à questão da raça, como ocorreu na época da colonização do Brasil, em que os negros foram escravizados, bem como os índios o foram durante certo tempo, estes últimos, libertos tão-somente, por força da alta taxa de mortandade, o que encarecia o processo como um todo e, conseqüentemente, reduzia substancialmente o lucro.
A escravidão do homem remonta o tempo, ocorre desde os primórdios das comunidades humanas; advinda como triunfo desde as primeiras lutas, teve sua origem no direito da força. Os “Guerreiros valentes” incorporavam o patrimônio dos vencidos, bem como os próprios vencidos tornavam-se patrimônio. Talvez, nasça com ela, concomitantemente, a maior das dúvidas jurídicas, quando e onde, fomos ou deixamos de ser, sujeitos ou objetos de direito. Certamente, de forma bastante simplista, tal dúvida foi assinalada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “Antigamente, os escravos tinham um senhor, os de hoje trocam de dono e nunca sabem o que esperar do dia seguinte”.
Assim como no sistema das “Castas”, a escravidão, hoje, se volta à distinção obtida através do “status” social. O que difere, em verdade, é que no sistema indiano há uma pseudológica religiosa, e se perfaz em justificativa. Posto que, quatro são as principais castas, e esta divisão, ou melhor, estes grupos, se dispõem de acordo com a estrutura física do Deus Brahma: A cabeça (Brahmim) representa os religiosos; os braços (Veishya) são os guerreiros e militares; os joelhos (Kshathriya) representam os nobres e os ricos; os pés (Shudra) são os fazendeiros e comerciantes. E, aqueles que não se enquadram em nenhuma destas ramificações sociais, são considerados a poeira que se submete aos pés do Brahma, e, por isto, não pertence às castas. São estes nomeados como: Parias, e compõem a escória da sociedade indiana. E, se reportamo-nos à atual cultura ocidental em que vivemos, os sujeitos que ocupam este cenário são aqueles que se encontram abaixo da linha da pobreza, desprovidos de qualquer oportunidade de participação na vida social.
Aqui cabe um parêntese para questionar esta forma diferenciada de escravidão, distante da velha idéia de aprisionamento ou confinamento. A escravidão que começamos a descrever é um critério impeditivo de expansão social, que tolhe oportunidades, que fada o indivíduo à detenção sem grades ou grilhões. E, talvez, esta obscuridade, torne esta escravidão ainda mais agressiva ou violenta, porque não aspira abolição.
A questão escravismo não se altera pela existência ou não, de um direito positivo ou positivado, tanto que, muito embora, legislação brasileira estabeleça que o empresário é o responsável legal por todas as relações trabalhistas havidas ou advindas das atividades de seu negócio. Temos também, as disposições contidas no artigo 149 do Código Penal, delito em que se descreve a conduta daquele submete alguém as condições análogas a de escravo, existente em nosso direito positivo desde o início do século passado. A extensão da legislação trabalhista no meio rural também não é recente, tendo mais de 30 anos, conforme se verifica na Lei n.º 5.889 de 08/06/1973. Ademais, foram ratificadas pelo Brasil, as convenções internacionais que tratam da escravidão contemporânea, ou seja, as convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por fim, há ainda a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, datada de 1998.
E segundo o sociólogo norte-americano Kevin Bales, considerado um dos maiores especialistas no tema da escravatura contemporânea, que traça em seu livro "Disposable People: New Slavery in the Global Economy" (Gente Descartável: A Nova Escravidão na Economia Mundial), a escravidão hoje, não só existe, como também, torna-se muito mais vantajosa ao empresário do que foi outrora ao senhor de escravos.
“Hoje, os escravos são extremamente baratos e abundantes, e assim descartáveis. Historicamente, o investimento de comprar um escravo incentivava ao “senhor” lhe fornecer um padrão do mínimo de cuidados, assegurando assim, um escravo saudável o suficiente para trabalhar e gerar lucro. Hoje o interesse não está em “possuir” escravos, somente em controla-los, sendo interessante explora-los pelo período em que eles próprios se mantiverem rentáveis. (tradução nossa).
Essa “Gente Descartável” descrita por Bales, vive e participa de uma nova escravatura que se processa como forma de adaptação à globalização. A nova escravatura coloca pessoas ao subjugo de forças econômicas e sociais que a sustentam, desde a corrupção dos governos locais até à cumplicidade das grandes organizações nacionais ou multinacionais.
E tal apontamento, não difere daquilo que nos é dito por Manuel Giraldes em seu artigo: Escravatura Global:
“Porque, antes, o escravo era um ‘bem’ caro e raro, e por isso mesmo merecedor de certos cuidados. Mas, nos tempos que correm, a própria lei da oferta e da procura se encarregou de baratear e de desvalorizar o “produto”. Com a explosão demográfica, o aumento da pobreza e da exclusão social geradas pelo sempre crescente alargamento do fosso que separa ricos e pobres, o torrencial fluxo de imigrantes que se sujeitam a tudo para tentarem encontrar na metade abastada do mundo um modo qualquer de subsistência, “matéria-prima” não falta. E se o escravo moderno enfraquece ou adoece, arranja-se outro. Que as prateleiras dos armazéns globais estão cheias de gente desesperada”.
E, ratificando esta colocação, temos Gerhard Grube , quando nos diz:
“Justiça social e escravidão são antônimos. São inversamente proporcionais. Por um pode-se medir o outro. Ausência de escravidão só com igualdade social plena. Escravos só deixarão de existir quando deixarem de existir aqueles que promovem injustiça social. Direta e indiretamente. [...] Alguém, tirado à força de seu meio, obrigado a trabalhar sem remuneração e impedido em sua liberdade é, sem dúvida nenhuma, um escravo. [...] Mas nem sempre isto é tão evidente. É difícil definir escravidão. A característica mais importante deve ser a coação, explícita ou velada. Mesmo quando não existe impedimento de ir e vir ou de fazer o que quiser.2
Todavia, este modelo social não é uma expressão de vanguarda, pois, já se fazia evidente durante o período medieval, conforme a descrição de papeis e afazeres da sociedade feudal feita por J. Isaac, onde nos diz que: “A sociedade feudal é fundada na desigualdade. E nela há três tipos de homens: Os nobres combatem, os camponeses trabalham e o clero que reza”.3
De tal modo, percebemos que escravidão, sob qualquer foco, não é uma problemática atual, tampouco, inteiramente social; há sempre um estreitamento entre as questões sociais e as políticas, e a convergência de ambas à cidadania.
Indaga-se, pois, no que consiste a escravidão vivida em nossos dias? Se tomarmos a palavra, afastada de todo e qualquer neologismo, encontramos uma semântica que aponta para: subjugo, servidão, sujeição e tirania. E, a partir daí, insurge-se uma nova perquirição: Somos todos inimputáveis à esta patologia sócio-cultural? De pronto, surge uma resposta, e, embora, imediata, nada leviana: Não!
Ora, se a realidade do mundo globalizado nos impõe uma universalidade de oportunidades, ao mesmo passo, impõe também, o ranço e o mofo da escravidão. Seria duvidoso pensar que, o “dumping” (colocar no mercado exterior produtos com preço abaixo daquele praticado dentro do país de origem) ou o “underselling”(venda no mercado externo ou interno de produtos abaixo de seu valor de custo, até angariar o domínio da praça de atuação), ou ainda, o preço predatório (configuração extremada de concorrência desleal, que promove a venda de produtos por um preço impraticável).
E, embora, estas sejam práticas desleais, totalmente, repreensíveis sob o ponto de vista do comércio exterior, são também, inegavelmente, muito empreendidas pelo bloco dos “Tigres Asiáticos” (Japão, China, Formosa/Taiwan, Cingapura, Hong kong e Coréia do Sul), especialmente, a China, entusiastas deste acesso à aldeia global, abarcam o mundo com seus produtos manufaturados, a preços módicos e famélicos, e porque não dizer: vis. Torna-se propício, novamente, indagar: Como se consegue tamanha proeza, sem que para isto, haja falta ou inobservância dos padrões trabalhistas internacionalmente reconhecidos; sem que haja exploração do trabalho infantil ou utilização do trabalho escravo4 ; onde a jornada habitual de trabalho ultrapassa o limite de 12 horas diárias, incluindo os finais de semana. E, a realidade que agora pontuamos, retrata um país, que de acordo com relatório elaborado pelo governo chinês e publicado pelo jornal oficial China Daily, vislumbra o percentual de 13% dos assalariados que recebem menos do que o salário mínimo estabelecido pelo governo, e 8% de trabalhadores que jamais recebem seus salários ou que os recebem fora do prazo previsto5 , sim, previsto, mas, não contratado. Porque sabidamente, num país que possuí um contingente demográfico de 1 bilhão e 313 milhões de habitantes (estimativa para Julho de 2006), totalizando 22% da população mundial, a mão-de-obra subcontratada e clandestina encontra-se em crescimento, fator que contribui para a discriminação no campo da remuneração e todas as demais condições de trabalho.
Quem demarcou esta questão, precisamente em 2005, foi Marcos S. Jank:
“Pouca gente sabe que não há livre mobilidade de pessoas do campo para as cidades na China, já que o governo coíbe a migração ao não garantir direitos sociais àqueles que não têm permissão de trabalho”.6
A colocação de Jank nos abre uma fresta para a lamentável visão, de que existem sentimentos nacionais de rejeição à livre circulação de trabalhadores. Ou seja, não só um bloqueio de liberdade de ir e vir, nem só um cerceamento de possibilidades empregatícias; estamos tratando de uma violação aos direitos humanos, quando, sabidamente, a liberdade de trabalho ultrapassa as fronteiras do positivismo legal para aportar os ditames e regras de um direito jusnaturalista. Sim, é o um homem cidadão do mundo, mas o caso em tela, nos impulsiona a dizer que, na pior das hipóteses, deveria ao menos, possuir uma plena cidadania em seu país de origem.
Hoje, nossa experiência de vida se funda nos escombros e se estabelece no rescaldo de todas as revoluções históricas, passando, inclusive, pela balela do homem visionado pelo liberalismo, sendo um ser ilusório, por vezes, um ilusionista, desnorteado entre o “ser” e o “dever ser”. Não somos senhorio de direitos, tal e qual pregava o iluminismo, tampouco, participante vivazes da sociedade que nos sitia, mais que tudo, não alcançamos a igualização; e, desproporcionalmente, há sempre alguns mais iguais que outros. O mundo, agora, se divide em Blocos, Comunidades, e diante dessas gigantescas “tribos”, o cidadão universal se esvai. Percebemos que não se trata de um, ou mais um engodo havido entre os homens. Nossa experiência atual aponta uma simbologia e uma realidade divergente e díspar do imaginário humano. É a falácia do bem comum?
Estamos falando de tempos modernos, embora, nos pareça tão atual a explanação de Aristóteles enquanto definia a distinção existente entres os homens na Grécia antiga, em que fazia uma diferenciação na composição das esferas sociais, calcado em uma lógica expositiva de uma realidade fragmentada, diante das diversas esferas sociais, grupos ou as estirpes. Embora, os anseios vividos por Aristóteles, viriam, posteriormente, nos definir a democracia como: “governo dos homens livres”. Sim, tão livres, a ponto de experimentarem uma soberania popular oposta e antagônica àquilo que em outros períodos históricos teria sido Império ou Reino.
Concluímos convictos de que, a escravidão permanece intacta, e assim estará, enquanto o número de propriedades expressarem a representarem valores humanos; estará vigente, sempre e quando, o homem for impedido de ascender socialmente; enquanto for marcado como gado pelo estigma que o fada ser àquilo que foram seus antepassados; estará à vista e à mostra no poderio econômico-financeiro que suplanta talentos; far-se-á evidente na essência ainda faminta do homem que trabalha tão-somente pela troca injusta do alimento; mas, acima de tudo, lançará ao rol dos culpados aquele que, diante de melhor “sorte”, encilha seres de sua própria espécie, para um galope alucinante, pelos campos verdes: do poder, das posses e privilégios.
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Notas de rodapé convertidas
1. “Direito de propriedade é a faculdade de adquirir e usar as coisas como próprias, segundo Deus e segundo as leis”. (Afonso X, o Sábio).
2. GRUBE, Gerhard. “Escravidão”, in Centro de Mídia Independente – CMI/Brasil, 08/01/2005.
3. ISAAC, Jules ; ALBA, André. Curso de História - Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1967. p. 7.
4. Resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre as perspectivas das relações comerciais entre a União Européia e a China (2005/2015), de 13 de Outubro de 2005 – Bruxelas – Artigo 49, parte final: Requer ainda à China que adapte medidas para combater eficazmente quaisquer formas modernas de escravatura, de trabalho infantil e de exploração, sobretudo de exploração das mulheres no trabalho, por forma a que sejam respeitados os direitos fundamentais dos trabalhadores e eliminada a possibilidade de "dumping" social.
5. Fonte de dados estatísticos: Revista Fórum - De Publisher Brasil.
6. In China – Os segredos de seu crescimento – “O Estado de São Paulo” – 04.01.2005, p. A2.
Funcionária Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional - ESDC/SP e, em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP., pós-graduada em Semiótica Psicanalítica - Clínica da Cultura, também pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP.